terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Não sou igualitária - sou feminista.



Não sou igualitária, sou feminista. Não me ofende quem não se considera feminista mas procura fazer exactamente o mesmo trabalho. O que me ofende é não se ter conhecimento da importância do nome, de o dizermos em voz alta. De nos afirmarmos como tal. Só isso já é uma luta. Embora seja óbvio que ser feminista presume a que se seja a favor da igualidade, o nome que dou e que me define é o feminismo - dito de forma clara e sem medo. Assusta a ideia de definir a igualdade de direitos a um nome relacionado com mulheres? Só assusta porque está directamente relacionado com mulheres - Homem é utilizado para definir toda a humanidade e não vejo ninguém assustado. Podia dizer que pior que um homem cis não se assumir como feminista é uma mulher não o fazer. No entanto estaria a ignorar toda a pressão que as mulheres carregam. Somos construções sociais óbvias e toda a ideia de competição feminina, é nos impingida. É isso que esperam de nós. Já basta tudo o que dizem a uma mulher para ser e depois aparece uma croma como eu que diz - oh, tu! tens que ser feminista. Mais ordens? Esse não é o meu papel, o meu papel é tentar dar bases. As bases que tenho para fazer frente a esta sociedade machista são minhas e não posso esquecer quem não as tem. As mulheres têm tanto direito a não serem feministas quanto os homens, não que faça sentido existirem pessoas que não o são - mas se existem, então parece-me legítimo não definirmos prioridades em relação aos géneros que se identificam como tal - considero isso mais uma agressão a acumular a tantas outras. No fundo é o mesmo que exigir de uma mulher que foi vitima de violência doméstica uma luta constante e um activismo regular nesse sentido - mais do esperar um activismo a quem não nunca foi vítima. Sim, o testemunho é importante. Sim, a dor é dessa pessoa e nós não sabemos falar sobre ela. No entanto não nos cabe a nós decidir e tornar a vítima mais vítima, já nos chega o sistema opressor. Somos pessoas - presumo que não tenhamos que passar pelas experiências para lutarmos respeitosamente contra elas. Podemos não falar delas se não as vivemos mas compreender a necessidade de as mudar. Quando existe compaixão e boa-vontade, existe a vontade de mudança e de justiça.

Ser activista é um trabalho constante. O que me deixa triste é olhar à minha volta e não sentir o mínimo de reconhecimento - antes pelo contrário. Se é o nome que assusta, de que adianta desvalorizar o trabalho que se faz? Então, pessoas "igualitárias" - se estão tão de acordo que o vosso trabalho é o mesmo que o do feminismo (excepto o nome), qual é a necessidade de atacarem directamente um grupo de pessoas; histórias; manifestos; marchas; leis; conquistas; vitórias; liberdade; igualdade; desconstruções? Tudo em tom de piadas e sobretudo de falta de informação - só e unicamente porque existem discursos com os quais não concordam. Se andam a ler coisas de uma pessoa "feminista" que quer a muher superior ao homem, é simples: não é feminista. Eu também posso dizer que sou vegetariana e andar a atacar o fiambre a meio da noite - isso significa que todas as pessoas vegetarianas atacam o fiambre durante a noite? Não, significa que conhecendo a definição das coisas - eu não sou vegetariana. Portanto, esses discursos que procuram a dedo, serão suficientes para anular todo o tempo investido no feminismo? Ou, reformulando - isso é suficiente para anular todo o tempo investido na constante luta pela igualdade? Chamem-nos feminazis; até porque já não basta o que temos que desconstruir para dar o nosso tempo a lutas gerais que depois ainda levamos com tomates (e atenção - uma feminista a levar com tomates parece-me bastante ofensivo -). Não - não são só as pessoas feministas que lutam. São no entanto as pessoas feministas que não se assustam com a confusão constante de serem o oposto de machismo - e corrigem. E explicam. E ensinam. São no entanto as pessoas feministas que não têm medo de ter ao colo uma definição que coloca as Mulheres como protagonistas; porque a luta é nossa - a procura de igualdade é a procura de colocar a mulher no mesmo patamar do que o homem, não o contrário. No entanto não fechamos os olhos a violência a homens cis (sabemos ver estatísticas; percentagens - por isso colocamos sinal vermelho em algumas frentes e a frente não é que só a mulher ser vítima - a frente é que o homem cis é quase sempre o agressor, mesmo quando falamos de violência a homens também.) Eu lamento se o mundo não gira em torno dos homens cis mas também dentro do feminismo existem outras lutas: pelos direitos LGBT; pessoas não-brancas; etc. A agenda é enorme e a urgência também. Ainda assim se não fosse o feminismo ninguém se tinha importado com a violência a homens. 


O que acontece de cada vez que estou e ler artigos que dizem que não concordam com o feminismo actual porque existem pessoas "feministas" que se esquecem de que procuramos a igualdade, é que começo a comparar isso com tudo: porque um médico é mau deixam de acreditar nos serviços de saúde? Se existe um extremo - o extremo é exactamente esse. Quando os argumentos passam pelas ladies night, significa que não houve uma reflexão. São nos dadas bebidas e entradas por sermos um objecto que chama homens - porque se estivermos bêbedas tudo parece consensual - mas não é. Somos objectificadas. Isso não é recebermos nada - isso é sermos usadas como jogos sexuais e não culpa nossa aderirmos, não é culpa nossa querermos usar espaços de diversão sem que essa passe por sermos desrespeitadas.  Esperam de quem é feminista um discurso politicamente correcto 24/7. Somos pessoas antes de sermos activistas; antes de sermos feministas. Já fiz slutshaming. Já critiquei aquela calça justa onde a celulite se vê. Já. Não nasci formatada para andar a lutar contra a violência verbal e física, infelizmente. Nasci formatada para fazer exactamente o oposto. Isto custou-me muitas leituras; muita dedicação. Ainda custa. Quando me dizem: não dizes mas pensas. Penso algumas coisas erradas mas já não penso em outras. É uma vitória. Não, já não existe slutshaming ou gordofobia na minha cabeça, não é só o o ponderar e não o verbalizar. Não existe. Reconhecermos que somos imperfeitxs é necessário para conseguirmos aprender tudo de novo mas de forma menos sexista, machista e menos padronizada. Continuo a querer ser mãe, continuo a querer fazer jantar para as pessoas que amo ah! e adoro passar a ferro. O feminismo não anula que goste da ideia da maternidade, nem me afasta de casa, o feminismo ensinou-me que é uma decisão da mulher o que quer fazer e não uma obrigação-. Que temos direito a espaço público. Que não temos que ter filhxs. Que não merecemos ser silenciadas em discussões politicas quando o tio mais velho vai lá a casa só por sermos mulheres. Que o pai não tem que ser o chefe de família. Que a menstruação de pessoas com vaginas não tem que ser tabu. Que gostamos de muito sexo ou de pouco sexo independentemente do tamanho das nossas saias. Que não é não. Que o álcool não me pôs a jeito. Que posso amar mais que uma pessoa sem merecer ser ofendida. Que a minha virgindade não representa a minha responsabilidade. Que não temos que ter medo e que não devíamos ter ainda mais medo de não termos medo.

Quem me acompanha nota claramente uma mudança na minha postura. Quando sou confrontada com situações racistas, machistas, polifóbicas, homofóbicas e/ou transfóbicas, tenho tendência a afastar por inteiro as pessoas da minha vida, algo que não fazia antes. (Não - não disse que afastava quem não se diz feminista.) Em vez disso, costumava investir em discussões que acabavam por provocar em mim muita ansiedade e não mudavam nada na outra pessoa. Não - isto não é ser extremista, isto é decidir não ter que lidar com situações tóxicas que me são prejudiciais. Não é uma luta de conhecimentos; não é uma postura arrogante - é uma decisão minha. Dentro do feminismo existem várias lutas e várias frentes. Para uma pessoa estar em todas as lutas e todas a frentes, tinha que se multiplicar. E quantas não se multiplicam? Quantas não usam o tempo livre a tentar mudar coisas que parecem minúsculas mas que fazem o mundo mais bonito mesmo que devagar? 

Eu sei que existem algumas plataformas "feministas" que a única coisa que fazem é fatshaming; que são heteronormativas - transfóbicas e racistas. Eu sei que essa imagem do feminismo é má; mas lá porque uxs "vegetarianxs" atacam o fiambre durante a noite, há quem a passe a fazer veggie burgers para o almoço do dia seguinte. O Mundo é grande; as pessoas são bonitas - principalmente se têm como base a procura do bem-estar e da igualdade. Feminismo não tem que assustar, porque não existe nada de errado em termos a força num nome que nos lembra Mulheres. Isso não quer dizer que não se lute por muito mais - porque se perderem tempo a ler e investigar, entendem que as lutas são muitas e as vitórias também. 

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