quarta-feira, 14 de março de 2018

Pés no mundo inteiro e barbatanas no Oceano completo


           


          Não consigo que a minha alma escreva as palavras que carrego no peito. Todas as histórias que iniciam na minha vida, nos últimos anos, aqueles anos das pessoas crescidas, têm este peso – a responsabilidade intrínseca. Caminho com os ombros largos – e pesados. Meço-me e não tenho altura para tanta ansiedade. É inevitável eu relembrar que não acredito que pessoas ocupem espaço de pessoas. É inevitável não me repetir – sempre. Questionar. As barbatanas quase secam com o medo de vocês me deixarem de ser mar. Caminho com os pés que não são meus e as escamas lascadas – por amor. Pinto quadros de pintores que não sou – por amor. Transformo-me e reinvento-me, sempre, por amor.

            Não consigo correr da minha essência, da minha missão – do meu grito mais alto na cave mais funda. Não posso descontrolar-me e acabar a controlar a minha vida – quanta loucura – mas a dor de magoar quem nos é amor, é das poesias mais tristes que se podem ler.

            Construímos muralhas a proteger castelos e depois mandamos castelos abaixo para termos espaço suficiente para tendas – fogueiras. Moldamo-nos. Todas as histórias que iniciam na minha vida, nos últimos anos, aqueles anos das pessoas crescidas, têm este peso – a responsabilidade intrínseca. Por mim. Por quem amo. Por quem posso amar. Por quem posso até amar sem ser romanticamente. A construção social que somos são espinhos na garganta e espinhas nas barbatanas. Sou eu que o escolho, diariamente, sou eu que o decido, diariamente. As cordas de que cada passo pode ser um murro no amor d’alguéns, são as mesmas cordas que me esganam. Mas as asas – as asas que fazem de mim ser de luz, são as mesmas que me libertam. Na complexidade do que é lar – do que somos, individualmente, ando sempre respeitando e aceitando a dor de cada pessoa, a sua bagagem, a sua cruz. A minha carrego-a eu, com a leveza de uma pena e o encargo de continentes nas costas.

            Em nada o meu amor diminui – em tudo o meu amor acrescenta. Quem me vive livre, vive-me inteira. A inteireza é o que sei dar, com as minhas limitações, as que são do corpo, do feitio. A minha inteireza é o que prometo – seja ela um mar revolto ou uma barragem que secou. Eu – inteira. Em nada o meu amor diminui – em tudo o meu amor acrescenta. A gratidão foi-me sentimento ensinado pela figura maternal – e é-me agora espalhado de cada vez que obrigada não é suficiente.

            Todas as histórias que iniciam na minha vida, nos últimos anos, aqueles anos das pessoas crescidas, têm este peso – a responsabilidade intrínseca. Não aguento algemas sociais – não aguento a estagnação do meu coração e só me sei pássaro, peixe. Não aguento ter que ficar sem outra razão se não a de que fomos assim enraizados. Raízes? Nenhumas. Pés no mundo inteiro, barbatanas no Oceano completo e se possível – de mão dada com os meus amores – pela gratidão. Pela inteireza. Sobretudo? Pelas dores que são vividas – aceites; amadas.